sábado, 25 de abril de 2009

Nada de Corcovado, é o Camelo mesmo... e o Hurtmold, ora bolas!

A via costeira de Natal, mais especificamente na área próxima a Ponta-Negra, é um cenário de opulência sem medida. Os hotéis luxuosos, as piscinas em formatos esquisitos, a postura rude dos porteiros perante os transeuntes desavisados é um reflexo direto dessa explosão de egos e dengos monetários. A arrogância dos blocos cimentados diante do mar, esse céu de sal. Tudo isso forma um cenário perfeito para a super potência egotista dos grandes clássicos & classudos da nossa música popular. Como alguém normal, alguém não-divino poderia ir se alojar ali? Devaneio. Mas o que parecia distante e improvável se tornou realidade no dia 20 de Abril: um mendigo teve a sua vez nos grandiloquentes palácios da costeira.
No palco escuro apenas uma cadeira era iluminada, deixando na penumbra os instrumentos à espera de seus domadores. Um banquinho e um violão? Não. A expectativa cresce junto com os gritos dos fãs mais desesperados, até que entra o barbudinho tão esperado. Com a viola na mão, seu jeitão desengonçado de andar, senta na cadeira e dá os primeiros e solitários acordes da sua apresentação. "Caminhando" é a faixa que abre o show "SOU NÓS". Marcelo Camelo, o amado & odiado ex-Los Hermanos, se apresenta ao público com uma canção que diz "Lá vai deus, sem sequer saber de nós". O banquinho e o violão poderiam enganar que algum dos "bons" da bossa iriam se apresentar naquele dia, mas já com essa primeira canção apresenta-se clara a diferença entre os estilos de Camelo e dos Corcovados. Nada de "Garota de Ipanema" pra vocês.
Com o fim dessa vinheta melódica entram os outros músicos do conjunto, e o show começa verdadeiramente. Os seis rapazes do Hurtmold, banda Paulista de som indefinível, acompanham Marcelo nessa sua empreitada solo, desde a gravação de várias faixas do Cd, até às apresentações ao vivo, dando o ar de sua graça. E que graça. Se a ideia principal de um bom artista, quando abandona seu grupo de origem, é a de não se repetir musicalmente, essa desejada disparidade é dada principalmente pelos arranjos demasiado criativos dessa "banda de apoio" (título estúpido). Quando a banda entra em cena, as diferenças entre o som do Los Hermanos e do projeto solo desse ex-vocalista tornam-se acentuadas. Ritmos desconexos, meio fora do tempo, como em "Téo e a gaivota"; melodias dissonantes, como o novo arranjo, belíssimo diga-se de passagem, para "Pois é" do Los Hermanos, deram uma nova cara ao som de Camelo, bem menos música ROCK POPular brasileira. Parece um chamado de "vamos experimentar musicalmente, meu bom mendigo" feito pelos novos amigos de Marcelo.
As músicas, nitidamente bem trabalhadas, repercutem muito bem aos ouvidos de um bom apreciador. Dando destaque para a marchinha de Carnaval "Copacabana", bem mais arrojada ao vivo do que no disco, "Mais tarde" e "Vida doce", belas melodias muito bem desconstruidas pelos "arrumamentos" musicais do Hurtmold, e ao novo arranjo de metais de "Além do que se vê", do Los Hermanos, que encerra o show de maneira caótica e fragmentada, a cada nova repetição do verso melódico um músico sai do palco, terminando somente o trompetista e o baterista, no que mais parece uma sessão de free-jazz, belíssimo. Vale salientar ainda outro grande momento da apresentação, que se dá numa súbita saída de Camelo do palco, quando a banda passe uns 10 minutos numa cacofonia melódica sem fim. Total desconexão aterradora dos instrumentistas, perturbadora até, que só se finda com a consequente a volta do frontman ao palco, em uma retomada paulatina de uma musicalidade mais definida. Bisco fino, meu colegas. Biscoito fino de se ouvir.
Excetuando algumas musiquinhas mais água com açúcar ("Janta", "Doce solidão"), como já bem disseram vários críticos de música do momento, a retomada da vida artística dada por Camelo é plausível e inovadora para os seus padrões. Melhor ainda é o show... e perdoem pela aparente parcialidade, mas grande parte do espetáculo se deve mesmo aos garotos paulistas. Que banda!No mais, recomendo a escuta e, se possível, a presença num show desse mendigo reformulado. Vale a pena, apesar do preço das entradas (a opulência pontanegrense não poderia sair calada nessa, não é mesmo?).

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